15/11/2018

À Conversa com Joana | Infância Perdida

Há vidas que não deveriam ser vividas da forma que foram, mas não se pode voltar atrás e modificar o passado. Importa enfrentá-lo e arrumá-lo na prateleira do passado. Se lá formos que seja para servir como exemplo a outras meninas. Nunca, mas nunca para causar mais dor ou sofrimento. A conversa que hoje tive foi dolorosa, difícil de gerir, mas vi que quem viveu tudo o que vos irá relatar se transformou numa mulher forte e feliz. Conseguiu arrumar o passado, mesmo que... até me faltam as palavras. Leiam e verão que não há palavras para explicar... 


“Um dia pedi a Deus para ser feliz, e ele deu-me tudo.” 

Enterrei o meu passado na minha mente, para uma pessoa só era muito pesado viver com traumas, ou enterrava, ou sofreria para o resto da vida. Hoje, abro algumas memórias minhas para vós. 

O único ano de felicidade que tive, foi ao meu primeiro ano de idade, família feliz, pais felizes, tudo perfeito, mesmo sendo pobre era feliz. 

Aos meus dois anos de idade começaram os maus tratos, incrível a mente humana que muita memória fica nela, o meu pai batia na minha mãe e muitas vezes descarregava a sua frustração em mim, e eu só tinha dois anos de idade, era tão pequena… 

Desenvolvi medos, traumas, tinha medo de dormir no escuro e muitas vezes se chorava era agredida ao ponto de ficar com marcas negras no meu corpo. 

Os maus tratos continuaram até aos meus cinco anos de idade, idade em que os meus pais se separaram, em parte, foi um alívio para mim, mal eu sabia que o meu pior pesadelo ia começar. 

É complicado ter pais disfuncionais… 

Aos meus seis anos de idade fui obrigada pela minha mãe a ir passar os fins-de-semana com o meu pai, e aí começou o meu pior pesadelo, o meu pai começou a abusar sexualmente de mim, eu só tinha seis anos e ele roubou a minha inocência, roubou a minha infância. 

Era ameaçada, e várias vezes tentei contar à minha mãe, mas sem sucesso, ela chamava-me de doida, maluca, tudo menos filha. 

Fui crescendo, comecei a ser maltratada psicologicamente pela minha mãe, pois posso agradecer aos meus avós por nada me ter faltado, mesmo sendo pouco, nunca me deixaram faltar nada. 

Tornei-me revoltada, isolei-me de tudo e de todos, sofri com bulliyng e quem me via era sozinha e abandonada na escola. 

Com o decorrer dos anos o meu pai continuava a abusar de mim, deixei de dormir durante a noite, muitas vezes o meu avô chamava a minha mãe à atenção, mas a resposta dela era sempre a mesma “É igual ao venenoso do pai”. 

Um dia, já tendo eu 12 anos de idade, o meu pai cometeu um erro grave, escreveu-me uma carta enquanto eu passava o fim de semana na casa dos meus avós paternos (onde ele vivia) e deixou-a em cima da minha cama, era a prova que eu necessitava para acreditarem em mim, ele pedia para ir ter com ele ao quarto quando os meus avós já tivessem a dormir, pois queria ser muito meu amiguinho e falar muito baixinho comigo, foi o basta para mim, não fui e armadilhei a minha porta do quarto toda, pena que a armadilha funcionou mas com a pessoa errada, a minha avó. 

Muitas vezes os meus avós paternos perguntavam-me o porquê de eu não gostar do meu pai, eu só dizia, o meu pai merece é estar na cadeia. 

Foi o último fim-de-semana que passei naquela casa, quando cheguei à minha casa, tendo aquela prova comigo desatei num choro horroroso, um choro de sufoco, um choro de acúmulo, aí a minha mãe viu que eu não estava bem, no fim de quase seis anos, partiu para a ameaça “ou contas ou bato-te” eu mostrei a carta, ela ficou branca. 

Apresentamos queixa, foi a fase mais difícil da minha vida, como vivia num meio pequeno, rapidamente se espalhou, mais bulliyng sofri, e tentei-me suicidar, era muito para uma pessoa só, eu não dormia, eu sofria, e infelizmente nem acompanhamento psicológico tive. 

Após todos terem mentido em tribunal, família da parte do meu pai, menos o meu avô paterno, e a carta sendo identificada pela PJ Científica que a letra era dele, o processo foi arquivado, cai em pico, e voltei a tentar o suicídio, sem sucesso, o meu organismo expulsava tudo. 

Não havia justiça, estava completamente sozinha, e continuava a ser maltratada psicologicamente pela minha mãe, sendo tanta vez comparada com o meu pai onde eu era diferente, eu fazia de tudo para ter uma palavra meiga dela, tirava boas notas, era humilde, mas nada servia. 

Exausta da vida, tentei outra vez o suicídio, o meu avô materno nesse dia foi o meu salvador. 

Comecei a trabalhar muito jovem para sustentar a minha mãe, trabalhar não era com ela, e enquanto ela estoirava o meu dinheiro eu sonhava que assim ela gostava de mim, mas mãe que é mãe trata bem os filhos e não ao contrário, pois nós não temos culpa de vir ao mundo e muito menos dos erros que eles cometem. 

O massacre psicológico continuava, e piorava cada vez mais, todos os dias era chamada de tudo menos filha, mais isolada fiquei. 

Comecei a vomitar do nada, e foi me diagnosticado bulimia nervosa com características anoréticas, eu pesava 45kg tendo 1.71cm, vestia o 32 de cintura com cinto. 

Tinha desistido completamente da vida, pensava que o meu destino seria igual ao da minha mãe, completamente disfuncional, sem vida própria e a descarregar as minhas frustrações nos outros, pois eu nem casar queria, nem filhos queria. 

Até que aos meus 21 anos tudo muda, uma volta de 350º, tive de escolher ou vivia aquela vida medíocre onde era explorada ao máximo e agredida psicologicamente ou vinha embora do sitio onde vivia, e escolhi a segunda opção, vim embora sem olhar para trás, poderia ter sido a minha maior cabeçada, pois estou a 600 e tal quilómetros de onde vivia, mas não foi… 

Aqui encontrei a felicidade, aqui comecei de novo, submeti a um grande tratamento psiquiátrico, e aos 21 anos deixei de ter medo de dormir no escuro, já era um bom começo.

Aqui, onde vivo encontrei o amor da minha vida, que é a melhor pessoa do mundo, a única pessoa que sabe o que sofri sem me julgar, lembro de em jovem chorar muitas vezes na igreja e perguntar o porquê de ser comigo, porquê eu? Eu só queria ser feliz, mas tudo tem o seu tempo, a minha felicidade chegou quando tinha 24 anos, quando me juntei com o meu marido e mais completa ficou aos 30 anos quando tive a minha filha. 

Muitas pessoas pensam que, quando alguém sofre traumas que fica disfuncional, acreditem que não, sou o oposto dos meus pais, a minha filha se tem medo de algo tem os braços da mãe para proteger, os meus pais preferiam dormir até tarde e deixarem me com fome, eu levanto-me de manhã cedo para tratar da minha filha e se for necessário estar 24h sob 24h acordada com ela eu estou, nunca lhe bati, nunca lhe chamei nomes, nada, e posso dizer que é a menina mais humilde e doce que alguma vez conheci, tudo porque da minha boca sai filha, filhinha, minha jóia, meu tesouro, fi (filha), sou paciente, e ensino-lhe os valores humanos todos. 


Hoje com 32 anos posso dizer que a minha vida foi bem dura, mas que estou viva e forte, e provei que consigo ser gente, hoje posso dizer que Deus não me abandonou, ele atendeu ao meu pedido “Ser feliz” mas deu-me mais, deu-me tudo, para que eu nunca mais pensasse o que ia comer no dia a seguir, para que nunca mais deitasse uma lágrima de infelicidade, para que nunca mais me sentisse sozinha, hoje sou um ser humano que ajuda o próximo, que estendo a mão a um amigo sem querer nada em troca, que sou forte que nem uma rocha, e que não é qualquer vento que me deita a baixo. 

Hoje com 32 anos dei a maior chapada diplomática tanto à minha mãe como ao meu pai, sou diferente deles, independente, e não necessito deles para nada, provei que sou mulher de M grande. 

Tenho um carácter muito forte, talvez chamo um método de protecção, mas por dentro sou a pessoa mais humana que possa existir. 

Hoje eu digo, eu sou feliz.


A Rubrica À Conversa com volta para a semana e pode ser com a tua história. Basta enviares um email para magianaspalavrasbypaula@gmail.com e contar tudo. Entretanto deixa a tua mensagem de força à nossa "Joana".

BeijinhoBom



NOTA: Todas as imagens foram retirada do google

1 comentário :

  1. Obrigada por partilhares a tua vida connosco Joana.
    Continua a ser forte como sempre foste mesmo nos maus momentos.
    E, se ainda não tem, a tua filha terá muito orgulho em ti.
    Beijinhos, força!

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BeijinhoBom*